quinta-feira, 31 de julho de 2008

La Paz - Potosí















Depois de uma semana de rolé em La Paz e seus arredores, segui com Ana e Phillip para Potosí, a cidade mais alta do mundo, em 1 semana de pedal. Até a cidade de Oruro, famosa pelo seu carnaval, seguimos pelo grande pampa do Altiplano Boliviano, com retas intermináveis e bem monótonas de até 40km de extensão.


Saindo de Oruro entramos numa região mais interessante, cheia de montanhas e cânions, de onde era possível ouvir o barulho de dinamites explodindo nas minas de prata das proximidades da rodovia. É claro que o preço dessas belas paisagens foram dias mais duros, com muitas subidas, mas também com muitas descidas, onde pudemos atingir facilmente os 70km/h. Chegando à cidade de Potosí, atingimos no mesmo dia os pontos mais alto e mais baixo do trecho, à 4275 e 3400m de altitude.

A viagem até aqui foi bem tranquila, já que na Bolívia as estradas estão em ótimo estado de conservação, possuem baixo tráfico de automóveis e poucos povoados em seu curso, sendo que muitos deles mais pareciam povoados fantasma. Passamos por dois balenários termais, onde paramos para dar uma descongelada no corpo, além de dois bloqueios de estrada por manifestanes (algo bem recorrente na Bolívia), que apesar do clima tenso, atravessamos nenhuma problema.

Em Potosí nos hospedamos na casa de Florêncio e Teodora, um casal muito simpático e gentil, que fazem de sua casa uma das poucas casas de ciclistas da América do Sul. Lá eles hospedam cicloturistas do mundo todo à uns 30 anos. A hospitalidade foi tanta que nos sentimos em casa instantâneamente. Nada como uma bela "pizzada" de recepção...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Copacabana - La Paz

Enquanto passeava de bobeira por Copacabana depois do almoço, conheci Philip (suíço) e Ana (colombiana), um casal que está viajando a quase um ano pela América do Sul em bicicleta. Como estariam partindo de Copacabana para La Paz no mesmo dia em que eu, combinamos de seguir juntos.




No primeiro dia contemplamos o visual mais bonito do Lago Titicaca, subindo e descendo pequenos morros, e pegando um frio de congelar os dedos. Durante o caminho foi possível ter uma bela vista da Montanha Llampú, com seus mais de 6300m de altitude, e de toda a Cordilheira Real, uma cadeia de montanhas nevadas próxima da cidade de La Paz. Ao fim do dia conseguimos um bom lugar pra acampar à margem do Titikaka, a cerca de 6 km da cidade de Huarina. Durante a noite ventou um pouco e fez muito frio, o suficiente para acordarmos com as barracas e bicicletas cobertas com uma fina cama de gelo.















No dia seguinte saímos para um dia bem duro até La Paz. Foram 82km feitos bem rápido, para que pudéssemos chegar em um horário seguro por lá. Além de monótona, a estrada não tinha lá muito apelo visual, e pra piorar, chegando em La Paz começa um tráfico intenso e caótico de vans, soltando muita fumaça e buzinando desesperadamente. Pra completar o quadro, a pequena deformação que aparecera no meu pneu dianteiro a alguns dias evoluíra para um pequeno rasgo em crescimento, que poderia comprometer a minha chegada na cidade.

Quando pensei que já havia chegado, me dei conta que estávamos somente em "El Alto", na zona metropolitana de La Paz. Uma cidade muito pobre, que vem crescendo muito rápido em função do fuga dos campesinos para o meio urbano. O centro de La Paz estava uns 400m abaixo dali, acessível por uma terrível autopista de 10km de extensão.

A descida foi para mim a verdadeira estrada da morte*. O trânsito estava intenso, a estrada toda esburacada, e nós bem cansados. Por volta das 14h, finalmente chegamos à Plaza San Francisco. Agora seriam mais uns diazinhos tranqüilos de turista, com muita comilança no Mercado pra acumular umas energias.




*Alusão a uma das mais conhecidas atrações turísticas da região, a Estrada da Morte, um grande "downhill" feito em bicicleta organizado por algumas agências de turismo, em uma estrada tenebrosa até a cidade de Coroico. Ao contrário do preço, o passeio parece ser interessante.

domingo, 13 de julho de 2008

Puno - Copacabana (sempre cerca dos 3800m)















Recuperado, segui para Copacabana em 2 dias de viagem. Apesar dessa região ser bem fria, a estrada é muito plana, tornando a pedalada mais tranquila. No primeiro dia cheguei a pequena cidade de Juli, numa estrada de retas intermináveis pelo "puro pampa", como dizem por aqui. O Lago mesmo, só vi pela manhã.

Logo no início do segundo dia, a estrada se aproximou novamente da margem do Titikaka, e pude assim apreciar o belo azul de suas águas. Como nem tudo é maravilha, depois de passar pela simpática cidade de Pomata, peguei um longo trecho de vento contra, que baixou minha velocidade média à metade, me dando uma boa canseira.


Por volta das 16h, já sem muito vento, cheguei à fronteira com a Bolívia onde gastei um tempo para agilizar a papelada na imigração, e trocar meus Soles por Bolivianos. Cheguei à turística cidade de Copacabana, 8 km à frente, à tempo de pegar um belo pôr do sol num confortável quarto de hotel de frente pro Titikaka. Que mordomia! Mesmo com banheiro privado, ducha quente e TV a cabo, paguei o mesmo preço que pagava nos muquifos de banheiro compartilhado do Perú. Tudo isso por causa de uma fronteira...

















A cidadezinha é muito agradável e com boas atrações turísticas. E o melhor de tudo... é muito barata! Aproveitei para ficar 2 dias de rolé, e comer bem. De agora em diante estaria 1 fuso horário a menos em relação ao Perú. O chato foi que pra descobrir isso tive que perder de bobeira um almoço, por chegar 1hora mais tarde no restaurante. Aprendi rapidinho.














Cusco














Como a região de Cusco é cheia de atrativos, aproveitamos para ficar mais de uma semana turistando. Fora a cidade que merece no mínimo um dia inteiro só para ser explorada, existe nas redondezas várias ruínas muito interessantes, sem falar de Machu Picchu (que atualmente parece mais a Disneylândia que um Sítio arqueológico). É claro que tudo isso exigiu muito do bolso e também do físico.

Tentamos, na medida do viável, compatibilizar o uso da bicicleta com o turismo na região durante esses dias. Apesar de possível, existindo até pacotes para Machu Pichu integrados com o uso bicicleta, nossa experiência inicial não foi lá muito bem sucedida, pra não dizer, uma furada. A questão é que exige-se TEMPO e ENERGIA para visitar os sítios. E como estes possuem uma considerável distância horizontal (e vertical!) entre si, o deslocamento em bicicleta acaba exigindo também muito TEMPO e ENERGIA, mesmo com a bicicleta descarregada. Assim, por uma questão de otimização, resolvemos dar uma pequena trégua para nossas valentes.














Ao fim da semana o Mário resolveu seguir direto para sua casa, enquanto eu continuava com o Giro Andino. Como teria a oportunidade de encontrar minha namorada em La Paz dentro de um tempo menor que o planejado para chegar até lá pedalando, teria que dar uma "adelantada" na viagem. Assim, optei em fazer de ônibus o trecho de 390km (cerca de 4 dias de pedal) entre Cusco e Puno, já que tinha interesse em pedalar às margens do Lago Titicaca, e porque tinha uma diarréia insistente à 2 dias que me tirava qualquer ânimo de montar na magrela. Assim segui dia 04/07 direto para Puno, e depois de um dia de recuperação, segui sozinho a primeira cidade boliviana depois da fronteira com o Perú, Copacabana.

Apesar de ter feito esse trecho em ônibus meio a contra-gosto, já que fugia ao planejado, foi uma experiência interessante. Foi a primeira vez que vi a formação de placas de gelo na parte interna da janela de um ônibus, e a inoperação de sanitários por congelamento da água da tubulação. Notícia não muito bem-vinda, considerando a triste situação intestinal que me encontrava. No fim deu tudo certo.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Ccatcca (3700m) - Cusco (3200m)



Acordamos para encarar o que prometia ser mais uma interminável subida. Ao arrumar as coisas pela manhã, notei que a capa de chuva e os alforges estavam ligeiramente congelados, e não tinham lá muita flexibilidade. Assim como o equipamento, nossos corpos também não tinham lá muita flexibilidade com essas temperaturas, e a regulação térmica foi conturbada durante a pedalada. O forte sol e o vento gelado nos obrigou a parar várias vezes para trocar de roupas. Estava difícil achar uma combinação adequada que não nos fizesse tremer de frio, ou se esvair em suor.

Para nosso espanto, com apenas 8km de subida chegamos ao seu fim, na Abra Coyuni, à 4185m de altitude. De lá começou a melhor descida até aqui, onde baixamos à 3283m de altitude, em meia hora de uma descida forte, numa estrada perfeita, cheia de curvas fechadas e precipícios. Tudo que eu sonhava. Ali eu vi que uma falha qualquer nos freios nos trariam sérios problemas. Ao final dessa maravilhosa descida acabava a Carretera Interoceânica, nas proximidades da cidade de Urcos, cerca de 40km de Cusco.

Novamente foi perceptível uma mudança brusca no ambiente, com o clima ficando bem mais quente e a vegetação mais xérica, com a presença de muitas cactáceas. Até a sinalizaçao da rodovia nos indicavam sinais dessa mudança, com uma sugestiva dica acatada prontamente. Foi muito agradável pegar um vento e um bronze nas canelas depois de alguns dias dessas privações.

Na estrada já era possível observar alguns sítios arqueológicos, e até algumas ruínas pré-colombianas - sinais das proximidades de um grande sítio arqueológico. Concomitantemente nossos outros sentidos não tiveram a mesma sorte. O fedor de um rio poluído bem próximo à rodovia, a grande quantidade de fumaça negra inalada (advinda dos escapamentos dos agora numerosos caminhões) e o incômodo barulho de aviões subindo e descendo mais à frente, nos davam outro sinal - a proximidade de um "moderno" centro urbano. Paradoxo? Não, se chama Cusco mesmo.
Chegamos à sua famosa Plaza de Armas no dia 26/06, por volta das 16h. Graças ao Erick, um dentista cusqueño que conhecemos no albergue de Puerto Maldonado, conseguimos alojamento com nossa barraca em um casarão antigo de sua propriedade, localizado no centro histórico de Cusco. Salve!

Subindo os Andes: Km 117 (4600m) - Ccatcca (3700m)



Depois da noite gelada, saímos pra enfrentar os 5km que nos separavam da parte mais alta da estrada. Foi necessário uma hora de subida em meio as alpacas e lhamas para atingir os picos nevados, a exatos 4748m de altitude. Com uma caminhadinha simbólica era possível tocar a neve dos gigantes. Um visual muito bonito. Mais bonito ainda era saber que dali pra frente era só a longa descida prometida, que começou com uma estrada de terra batida e logo se transformou em um asfalto novinho em folha. Ao todo foram cerca de 4 horas descendo sem parar, passando por várias vilas peruanas bem tradicionais.















A mudança de ambiente após o cume foi abrupta. Finalmente havíamos acabado de atravessar o divisor entre a Amazônia e a Puna peruana. A cordilheira nevada ao fundo dava especial beleza àquela paisagem. Como nem tudo era beleza, a descida foi bem desgastante. Era impossível passar dos 40km/h devido ao frio. O vento estava muito seco e o sol muito forte, maltratando muito a boca, que logo se encheu de feridas, e os olhos que ficaram bem ressecados e irritados.


Depois de passarmos por Ocongate, ao final da longa descida, começou uma inesperada e interminável subida, por povoados onde mais uma vez não nos sentimos muito à vontade. Já bem cansados, e desconfortáveis com as indesejosas recepções ao longo do caminho, onde éramos "gentilmente" chamados de "GRINGOOOOS!", paramos no primeiro hotel que encontramos no povoado de Ccatcca para um repouso necessário.

Subindo os Andes: Marcapata (3100m) - Km 117 (4600m)















O dia tinha que começar cedo para passarmos em uma temperatura suportável pela "Abra", o ponto mais alto da estrada. Acordamos às 6h, mas só tivemos coragem pra sair da cama às 7h. Tava muito frio. A ponta dos dedos já estavam dando umas formigadas, mesmo com luva. Mandamos outro Arroz com frango e saímos as 9h pra mais um dia exclusivo de subida.


Chegamos por volta das 10h15m num posto de controle da Rodovia Interoceânica, onde nós, e qualquer outro veículo, fomos impedidos de passar até o meio-dia. Tentamos autorização para passar, falando por rádio com um engenheiro brasileiro responsável pela obra. Perdendo esse tempo dificilmente passaríamos pela "Abra" antes do anoitecer, e frio preocupava devido à altitude. Ele nos disse que estavam dinamitando pedras pelo caminho, e era muito perigosa nossa passagem pela estrada naquele momento. Contudo, nos garantiu que saindo ao meio-dia era perfeitamente possível vencer os 12km de pura subida até o topo, e que de lá era só uma grande descida até o próximo povoado. Acreditamos nele, e seguimos.
No caminho foram surgindo várias informações desencontradas sobre a real distância e tempo necessários para alcançar a Abra. No final das contas, descobrimos às 17h30m, que a Abra estava ainda 5 km acima, e havia por ali somente alguns povoados Quéchuas bem tradicionais, que não falavam espanhol, e nem iam com a nossa cara. O frio tava apertando, e não havia nenhum sítio plano e seco para acampar fora da estrada.

Por sorte, mais acima chegamos a um posto de obras da rodovia, que iria funcionar toda a noite. Lá, aproveitamos para esquentar nossos pés ao calor do gerador de iluminação, e levantar acampamento. Conhecemos uns funcionários da obra, que estavam de vigias a noite toda, e nos deram uma super força, oferecendo até um lanche quente pra gente durante a noite. Um deles chegou ao cúmulo de colocar uma mega-pedra atrás da nossa barraca com uma escavadeira, para que os caminhões da obra não nos oferecesse perigo. Que noite fria! Segundo os funcionários da empresa atingiu 10 graus negativos, o suficiente para dar uma pane no meu ciclocomputador e zerar o odômetro. Foi a primeira noite da viagem em que adormeci com os pés gelados.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Subindo os Andes: Tchau Pitchaca (1500m) - Marcapata (3100m)














Depois de um mate quente, saimos cedo para mais um dia inteiro de subida até a vila de Marcapata. Só subida! Como sabíamos o que nos esperava, aproveitamos para tomar um café da manhã mais reforçado, no estilo peruano (arroz, mandioca frita e frango). Esperando a comida chegar, ineperandamente vimos um urso andino morto no interior do restaurante. Na verdade era a metade de baixo dele, que estava sendo investigada, ou talvez até saboreada, por um vira-lata bem contente. Mesmo depois dessa cena, meu café da manhã caiu muito bem, e o meu frango me pareceu com gosto de frango. Pelo menos foi o que pensei.

Uns povoados à frente conhemos os pais de Célia, a médica que nos hospedou no povoado União Progresso. Eles nos ofereceram um lanche reforçado, que foi muito bem vindo para seguir nosso rumo. Lá para as 15h30m o frio foi apertando mais, nos obrigando a descer da bike de tempos em tempos para uma acalentadora caminhadinha. O sangue circulava melhor nos pés, deixando-os menos duros. O pior era que tinhamos que atravessar vários riozinhos na estrada, e molhar os pés naquele frio era desanimador. Atenção redobrada.
Havia a promessa de um povoado com banhos de águas termais à 5km da vila de Marcapata. Ao chegarmos no tal lugar sentimos um ambiente bem sinistro, com várias pessoas nos pedindo "propina" e outras tantas completamente "borachas" pela rua. Resolvemos desencanar do sonhado banho quente, e seguimos sem mais delongas até Maracapata, onde nos hospedamos num hotelzinho bem do esquisito.

Subindo os Andes: Quince mil (600m) - Tchau Pitchaca (1500m)



Tivemos que sair um pouco tarde, por conta da mega chuva que começou a noite e só foi acabar lá pro meio-dia. Ainda sim, saimos debaixo de uma garoa fina pra subida. Apesar da chuva que caiu, no caminho foi possível observar o "Galo de las Rocas", uma ave de vermelho forte, um dos símbolos aqui do Perú. Continuamos pedalando pelas margens do rio Inambari onde além dos bichos, o frio também começou a aparecer.
Dormimos na casa comunal do pequeno povoado de Tchau Pitchaca, onde conhecemos Fábio e Henrique, coletores de Bambu para a confeção das "Zamponhas", aquele famoso instrumento de sopro bem característico do país. Com eles conhecemos o "Kaniwa", a farinha de um cereal da região peruana de Puno, que alimenta mais que carne-seca com farinha. Provado e aprovado.